quinta-feira, 4 de março de 2010

Minas Geraes de sempre


Copiei e colei o texto a seguir do professor José A. O. de Resende da Federal de São João del-Rei.

"Sou do tempo em que ainda se faziam visitas. Lembro-me de minha mãe mandando a gente caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum conhecido. Íamos todos juntos, família grande, todo mundo a pé. Geralmente, à noite.
Ninguém avisava nada, o costume era chegar de paraquedas mesmo. E os donos da casa recebiam alegres a visita. Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por um.
- Olha o compadre aqui, garoto! Cumprimenta a comadre.
E o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão dos meus irmãos. Aí chegava outro menino. Repetia-se toda a diplomacia.
- Mas vamos nos assentar, gente. Que surpresa agradável!
A conversa rolava solta na sala. Meu pai conversando com o compadre e minha mãe de papo com a comadre. Eu e meus irmãos ficávamos assentados todos num mesmo sofá, entreolhando-nos e olhando a casa do tal compadre. Retratos na parede, duas imagens de santos numa cantoneira, flores na mesinha de centro... casa singela e acolhedora. A nossa também era assim.
Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras. Tão acolhedoras que era também costume servir um bom café aos visitantes. Como um anjo benfazejo, surgia alguém lá da cozinha - geralmente uma das filhas - e dizia:
- Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa.
Tratava-se de uma metonímia gastronômica. O café era apenas uma parte: pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite... tudo sobre a mesa.
Juntava todo mundo e as piadas pipocavam. As gargalhadas também. Pra que televisão? Pra que rua? Pra que droga? A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na esperança... Era a vida respingando eternidade nos momentos que acabam.... era a vida transbordando simplicidade, alegria e amizade...

Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina. Ainda nos acenávamos. E voltávamos para casa, caminhada muitas vezes longa, sem carro, mas com o coração aquecido pela ternura e pela acolhida. Era assim também lá em casa. Recebíamos as visitas com o coração em festa.. A mesma alegria se repetia. Quando iam embora, também ficávamos, a família toda, à porta. Olhávamos, olhávamos... até que sumissem no horizonte da noite.
O tempo passou e me formei em solidão. Tive bons professores: televisão, vídeo, DVD, e-mail... Cada um na sua e ninguém na de ninguém. Não se recebe mais em casa. Agora a gente combina encontros com os amigos fora de casa:
- Vamos marcar uma saída!... - ninguém quer entrar mais.
Assim, as casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios, que escondem mortos anônimos e possibilidades enterradas. Cemitério urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que assustadores.
Casas trancadas.. Pra que abrir? O ladrão pode entrar e roubar a lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, da manteiga, dos biscoitos do leite....
Que saudade do compadre e da comadre!"


A este texto, saboroso, que tem gosto de pão de queijo e de bolo de fubá, gostaria de acrescentar uma triste constatação no que diz respeito às relações entre as pessoas.
Percebo que às vezes até entre pessoas da mesma família, quando alguém "precisa" falar com outra pessoa o faz no celular, mesmo sabendo que é uma ligação mais cara de que no telefone fixo, para ter a certeza de só falar com a pessoa com a qual "precisa" falar e assim não correr o risco de ser atendido por alguém, ainda que da família, insinuaria uma certa aproximação que não se quer ter!
Mais uma daquelas perversidades que o progresso ajuda a instigar nas relações entre as pessoas. Um cordial abraço.
W. Avila

6 comentários:

Manaíra disse...

que delicia de texto! como queria ter vivido nestes costumes...
mas nunca é tarde para se adquirir bons habitos.. entao
espero q em algum dia a vida me leve a um cotidiano assim...

alina avila disse...

Sempre qdo se está lá na roça dá pra ter essa sensação... lembro-me de uma vez na roça enquanto caminhávamos pelos lados de lá da cachoeira q fizemos uma visita ao João Pretinho. Com que alegria ele nos recebeu, serviu água da talha pq estávamos muito cansados da caminhada e a sua alegria e de sua mulher foi contagiante. Ou qdo, em janeiro de 2005, fizemos uma visita-supresa na Tida, qta felicidade dela e de seus filhos, inclusive o Mirtão que fez questão de abrir seu armário pra servir uma pinguinha pros homens. Essa Minas Gerais ainda existe!!!

w. Avila disse...

Penso que seria ingênuo ou ateh mesmo negar o "progresso" querer viver, hoje, exatamente como ha cem anos. Jã, conhecer esses fatos, nos mantem ligados e em sintonia com um passado saudoso, onde muitos de nos fincou suas raizes.
Agradeço a ambas pela sensibilidade.

Unknown disse...

eu também lembro muito da visita na casa do joão pretinho e da tida, onde do que mais tenho recordação era o mirtão e as gargalhadas que ele dava. Muito bom tudo isso!

Unknown disse...

vou procurar saber desse professor tio, onde achou o texto? uma nostalgia esse texto, como a Mana disse, queria eu ter nascido numa época assim...

Unknown disse...

vou procurar saber desse professor tio, onde achou o texto? uma nostalgia esse texto, como a Mana disse, queria eu ter nascido numa época assim...